Ottoniela Bezerra é um dos nomes mais sonantes da nova geração da literatura angolana. Licenciada em Direito pela Universidade Metodista, actualmente a escritora reparte-se entre várias dimensões, é também mulher, mãe e jurista, com isso tem procurado conciliar o amor pela escrita com as exigências da vida pessoal e profissional. Ainda assim, é na pele de escritora que se sente mais viva.  Acompanhe a entrevista! FPE- Como vê o papel da literatura como instrumento de desenvolvimento social? OTB: Vejo a literatura como uma ferramenta poderosa de transformação social, sobretudo em Angola. Ler é um acto de resistência e de reconstrução. A literatura pode dar voz a quem raramente é ouvido, preservar memórias que poderiam perder-se e provocar diálogos importantes sobre identidade, pertença e futuro. É também um instrumento de educação informal: desperta o senso crítico, amplia horizontes e ajuda-nos a imaginar realidades diferentes, mais justas. Claro que ainda há muitos desafios como o acesso ao livro, os custos de produção, a valorização do escritor, mas acredito que, aos poucos, estamos a abrir espaço para que a palavra escrita ocupe o lugar que merece na construção de uma sociedade mais consciente e solidária. FPE- Num mundo cada vez mais digital, onde os livros em papel parecem perder espaço e os algoritmos ditam o alcance das palavras, como consegue adaptar-se a essa realidade? OTB: Sou muito atenta as tendências do universo digital, tento me adptar as dinâmicas, foi por esta razão que criei o prejecto digital ‘Livrarias por Luanda’. Mas, muito antes, já escrevia para o facebook, depois passei a divulgar o meu trabalho através de um blogue, denominado ‘Espelho da Minha Alma’, e, posteriormente fui para o instagram, onde arranjei formas de manter o meu trabalho, de me posicionar, construir a minha marca pessoal e resultou.  ​ FPE- Com a crescente presença da Inteligência Artificial no campo da escrita, até que ponto acredita que a literatura pode estar ameaçada? OTB: De modo geral a internet veio para ajudar muito os escritores, e quem não está na internet perde lugar, mas o surgimento da IA veio nos ‘sabotar’… Há um toque humano que a ferramenta não vai conseguir mudar, nós na literatura chamamos de ‘assinatura’, mesmo sem ler o nome do autor no texto consegue-se identificar quem escreveu, por causa do estilo, tom de escrita específico que cada escritor tem. Uma coisa que a ferramenta não tem, é essa autenticidade, penso que está a se usar mal, tem que existir alguma lei para regular o uso excessivo da Inteligência Artificial.  FPE- Dentre as quatros obras que publicou qual é que identifica-se mais consigo?  OTB: Cada obra espelha uma parte de mim, mas talvez me identifique mais com “Retratos de uma mulher (in) comum” e “Tudo o que te diria se me quisesses ouvir”. O Retratos foi a minha estreia, quase um grito de afirmação, onde reuni em três contos. Já “Tudo o que te diria se me quisesses ouvir” é mais maduro, mais íntimo. Escrevi-o numa fase em que precisava de libertar palavras guardadas, quase como se fosse uma carta aberta a quem nunca me ouviu verdadeiramente. São livros que, de formas diferentes, mostram as minhas dores, as minhas descobertas e a minha vontade de dialogar com quem se revê nessas palavras. FPE- A pergunta que não se quer calar é: Entre ser jurista e escritora, onde se encontra verdadeiramente?  OTB: Sem sombra de dúvida, identifico-me mais como escritora. Porque este é um dom divino, nasci para ser escritora, é um talento nato. Já o Direito aprendi a gostar. Fui para Direito por orientação da minha mãe e, confesso que, no início custou-me adaptar. Durante muito tempo senti-me um pouco deslocada, talvez mais inquieta ou limitada criativamente.  Redactora: Janeth Cabeia