Num universo onde os desafios da saúde materna ainda são imensos, existem profissionais que os enfrentam com compaixão. A Dra. Ilda Maneira é uma dessas vozes. Enfermeira especialista em obstetrícia, ginecologia e lactação humana, soma mais de 17 anos de carreira entre Portugal e Angola. Na Clínica General Katondo, onde coordena o Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Dra. Ilda dá assistência à gestantes, recém-nascidos e puérperas.
Acompanhe a entrevista!
FPE- O que a motivou a escolher a obstetrícia como especialidade na área da saúde?
IL: Escolhi a obstetrícia porque sempre senti um chamado muito íntimo para estar junto da mulher nos seus processos de maior vulnerabilidade e força. O imenso privilégio de poder acompanhar a gestação, o parto e o pós-parto de uma mulher, de assistir à construção de um novo vínculo entre mãe e filho, é algo que me move.
FPE- Defina a obstetrícia em uma só palavra? Justifique a resposta.
IL: Transformação. A obstetrícia é, na sua essência, um campo que lida com a transformação em múltiplas dimensões: biológica, emocional, social e espiritual.
FTE- Existe alguma fase da gestação com a qual gosta mais de trabalhar? Por quê?
IL: Sim, o puerpério imediato (pós-parto), sem dúvidas. É neste momento que o vínculo entre mãe e bebé se fortalece ou se fragiliza, que a amamentação se inicia, e que a mulher começa a conhecer-se novamente. A mulher tende a sentir-se abandonada, pois durante nove meses foi o centro das atenções, e subitamente todas as atenções voltam-se exclusivamente para o bebé e a mulher deixa de ser vista.
FPE- Quais são os maiores desafios que tem enfrentado na realização do trabalho?
IL: Um dos maiores desafios é, sem dúvida, a escassez de recursos humanos e a ausência de formação continuada especializada em muitas instituições de saúde. A obstetrícia exige conhecimento técnico actualizado, sensibilidade ética e acima de tudo humanidade.
FPE- Já agora, como a Dra. Ilda vê o papel da obstetrícia na luta contra a mortalidade materna?
IL: A obstetrícia é uma das linhas de frente na luta contra a mortalidade materna. É através dela que conseguimos identificar precocemente factores de risco, intervir de forma preventiva e garantir uma assistência baseada na evidência científica. Mas a obstetrícia precisa ser exercida com humanidade.
FPE- O que poderia ser feito para melhorar o atendimento às gestantes?
IL: O primeiro passo é reconhecer que a violência obstétrica existe, é sistémica e tem raízes estruturais profundas. Para inverter este quadro, é fundamental investir na formação ética e técnica dos profissionais, promover a escuta activa, e, acima de tudo, aumentar o número de profissionais de saúde disponíveis. A sobrecarga leva ao esgotamento, e o esgotamento conduz à desumanização.
FTE- Existe algo que gostaria que todos os profissionais da obstetrícia levassem mais em conta no cuidado com as gestantes?
IL: Gostaria que cada profissional jamais esquecesse que está a cuidar de alguém que está a viver uma das experiências mais intensas da sua vida. A mulher que chega até nós não vem só com um corpo… vem com emoções, medos, vivências e expectativas. E aquilo que fazemos ou deixamos de fazer pode marcar para sempre a forma como ela vai lembrar o nascimento do seu filho.
Redactora: Janeth Cabeia


